terça-feira, 31 de maio de 2016

De Elizabeth a Robert Browning

I

De que florada buscaste a flor?
De que mansidão trouxeste o olhar com que me vês?
De que refúgio vêm tuas mãos? De que contos saem tuas aventuras?
Em que mundo, em que terras, em que lonjuras pisaste, 
Eu, que nem me ausento do meu quarto? 
Em que paragens estiveste, em que enseadas te embrenhaste?
Em que estações desembarcaste, com quantas malas, arcas e baús?
Teus lacaios te seguiram, ou viajaste só? 
Que mapas abriste e que percursos seguiste?
Ah, fizeste viagens pelo continente, ou mais além? 
Que paisagens vislumbraste, que montanhas viste no horizonte?
Tu, destemido viajante, de todos os destinos, escolheste o meu?
De todas as mulheres, escolheste a mim? 
Eu, de todos os homens, escolhi a ti.  

29/05/2016 - 13h54

II

Quando me volto ao Absoluto,
Ele desce sobre mim e me abençoa.
Todas as coisas ditas me cercam e entoam seu canto
Uníssono. Assim, esperei por ti, uma manhã
Mais bela do que qualquer manhã, uma tarde e uma noite
Que a sucedessem, e me pus a te esperar, porque
Por ti poderia esperar a vida inteira, como esperei,
Mas agora não mais, pois chegas para me arrancar da clausura,
Esta que não me pode conter, em que não caibo mais,
Eu e minhas palavras, minhas cartas, meus poemas, 
Minhas canções. Camões, um dia, disse a Catarina que viria vê-la.
Ela o esperou, como eu, como me disseste que virias.
E, porque me disseste essas palavras, acreditei em ti,
Por seres o homem que és, e por me amares como amas.

29/05/2016 - 20h03

III

Ah, não te assustes, se, de repente, eu me for,
porque as horas não medem sua passagem pelo relógio.
Não, o tique-taque escoa ao longo do tempo,
que, voraz, nos dita os seus caprichos. 
Eu sou a pastora de ovelhas, que as conduz ao pasto,
e de volta ao celeiro, sem que se percam. 
Quem somos senão os guardadores de ovelhas, 
das horas que passam sob os nossos olhos,
a nos dizer que a perfeição não existe e, mesmo assim,
ela nos sustenta e nos faz seguir adiante. 
Pastores de nuvens, guardadores de ovinos, 
prolongamos as tardes à espera do fim do dia, para que,
cansados e felizes, regressemos à casa que nos acolhe.
Vem guardar os feixes, fechar a porta e adormecer com os anjos. 

30/05/2016 - 3h28 

IV

O que aprendi de ti tornou-se escuso. Eu, a meu pai,
tive de negar e mentir, para fugir contigo, sob tuas asas,
e voar, além deste precipício.
Se tal não fosse, o que de mim seria? Viver num claustro,
onde não entrava luz e, as paredes, de pedra, 
me roubavam o ar, apertando-me num espaço contrito.
As palavras que me disseste mudaram tudo. Quando vi,
não controlava mais meus pensamentos. Quando dei por mim,
já lhe escrevia de volta, no dia seguinte, como se soubesse
quem eras, e eu não sabia, mas minha alma soube assim que o li.
Meu ser te conhecia e tu me conhecias sem me ver. 
Somos almas gêmeas, que em tudo se parecem. 
Que nobre intento tinhas por mim, que eu não pressenti!
Que palavras ainda tens a me dizer? Dize-me tudo, que te ouço!

30/05/2016 - 3h58

V

Teu abraço me serviu de apoio, tuas mãos, de condutoras
pela estrada, cruzando o mar e terras que eu desconhecia.
Minha poesia te chamou e vieste dizer-me que me amavas.
A ela e a mim, indistintamente, pois somos a mesma coisa,
Ela e eu. Como separar-me do que me dá a forma? 
Como viver de outra coisa, senão de minhas palavras?
Foram elas que te trouxeram, que te disseram que eu existia,
aqui, à tua espera, sem saber. Minha voz te conduziu,
às cegas, enfrentando a escuridão e o breu, mas certo 
de que chegarias à minha casa. E aqui vieste na primavera,
esta que a todos recebe, igualmente, pobre ou rico, bom ou mau.
Trouxeste-me flores. Estas, guardei para sempre. 
Trouxeste-me livros. Estes, li com todo o ardor. 
Trouxeste-me tu mesmo, este ser que adoro e me ilumina.

30/05/2016 - 4h57 


VI

Por mim, buscaste a palavra. Vieram numa carta
que selaria meu destino. Ao abri-la, o espanto.
Quem é?, perguntei. A carta só me dizia que amavas
A mim e minha poesia. Nem pude responder de pronto.
Meditei profundamente o que responder. Mas algo
em mim palpitava mais que as palavras. Eram os anjos
sacudindo as asas e dizendo: "Amém!"
Como ansiei que chegasses! Como quis que viesses!
Assim como tua carta chegou, célere, logo quis que me visses.
Esse dia não tardou, por mais que o adiasse.
Assim derreteu-se a neve, voltaram os passarinhos,
E pus-me a olhar pela janela para esperar que despontasses
no horizonte. Nunca uma linha foi tão bela,
de onde surgirias, afinal, com todo o seu encanto.

31/05/2016 - 17h35

VII

Ó rostos altos, em sua candura, remetem aos sonhos,
Às suas branduras e vestem um longo hábito.
O cenho escuro, a tez morena, os olhos negros,
Sou a lusitana, a portuguesa, por que me chamas,
Como um carinho. Os santos de mãos postas
Também oram com candelabros já apagados.
Não baixes os olhos se não me vires,
Porque ressurjo a qualquer tempo.
Que quer a música senão tocar?
Que quer a criança senão brincar?
Ó pai, ó mãe, vinde ajudar, os filhos passam,
Os amores, não. Os rostos altos, lá nas alturas,
Olhai para baixo, vinde nos salvar.
A vida passa e nos empresta o mesmo olhar.

1/06/2016 - 2h51


VIII

Pensei afastar-me de ti, porque as águas correm
mais depressa em direção à foz, do que se sustentam à margem,
sob o dossel das árvores. Eu fui a antiga princesa em clausura,
que antes de dormir rezava aos céus para trazer-me um facho
de lua, um simples brilho para iluminar a noite tão escura
em meu quarto. E, nessa luz tão leve que inundava a minha alcova,
pude divisar outros olhos que me viam, mas eu não os via -
só pressentia. Era teu sorriso que chegava pelas cartas que escrevia.
Eu podia vê-lo à noite, como se estivesse ao meu lado, antes de chegar,
tal era a minha espera. Eu não podia medir minha alegria. 
Minha felicidade não cabia mais em mim, nem podia disfarçar
o sorriso em meus lábios. Mas fechava o cenho e fingia estar brava.
Assim ninguém adivinharia que só em ti meus pensamentos estavam.
E, à noite, eu sorria, porque só a lua me testemunhava. 

2/06/2016 - 1h57


IX

Bem amado, os anjos dizem teu nome, 
Para que não eu não me esqueça de ti.
Sussurram em meus ouvidos e, à noite, eu os ouço,
Junto à janela que deixo entreaberta para ouvir
Os ruídos, o farfalhar das folhas, e tudo o que se move
Nas sombras e ao luar, mesmo que não os veja.
Disseste-me que vinhas, e te esperei, não porque
Não acreditasse em ti, mas porque eu queria acreditar.
Eu me movia lentamente para que tudo acontecesse
Mais rapidamente à minha volta. A casa devolvida
Ao seu tempo e eu apenas a observar.
Fico imóvel como estátua de mármore frio,
Que, aquecida pela expectativa de tua chegada,
Vai amolecendo a pedra. E dela ressurjo, intacta.

3/06/2016 – 22h40


X

O frasco que guarda o perfume exala o aroma
Da flor. Mesmo que a flor não mais exista, existe
O odor que dela emanou. Pobre flor, que deixou
De viver sua brevíssima vida para perpetuar-se
No colo das damas, não menos breves, a rodopiar
Nos salões de braços dados com seu par.
A flor deixou seu aroma para emprestá-lo à dama,
Que dele precisa para realçar sua beleza,
Já que a sua própria não basta. Ó não me deixes
Ser tão tola quanto essas mulheres! Se, de sua voz
Não se ouve o canto, não adianta cantar.
Se seu contorno não instiga o homem,
Não adianta esperar. Eu nem com isso contava.
Mas me ensinaste que eu me bastava.

3/06/2016 – 23h17


XI

São as mulheres as fadas da criação,
Desde que se levantam, até a hora que se deitam,
Pois carregam o dia e todos os seus afazeres.
Não roubes da mulher a sua integridade.
Ela te devolverá, com amor, a sua generosidade.
Não roubes da mulher o seu tempo. Ela precisa dele
Como a árvore e a flor para crescer e se mostrarem
Ao mundo. A mulher é a bússola do mundo, a geradora,
A matriz, a funcionária para todos os ofícios.
Seja o que fizer, ela fará bem. A cozinheira, a parteira,
A mãe, a bibliotecária, a vendedora, a costureira,
A enfermeira, a médica, a freira, a plantadora de batatas.
Toda mulher é um mundo, cheio de sementes e fardos.
Abre espaço para elas, para que possam passar.

4/06/2016 – 20h59

XII

De todos os presentes mais desejados,
Deste-me o que eu mais queria: um filho.
E, nesse filho, embalo de novo a criança que foste
Para tua mãe. Mas sou eu que carrego o fruto que
Concebi em meu ventre, campo sagrado semeado por ti.
Deste-me um filho, o mais amado, o mais perfeito,
Por ser nosso, tão aguardado, tão ansiado,
Por tanto tempo esperado. Vivi contigo as minhas angústias.
Me deste teu amor incondicional, e moldamos este ser
Que carrega o meu e o teu nome. Robert Barrett Browning.
Pen, para nós e para o mundo. Com lindos cachos dourados
A cair sobre os ombros e olhos mais azuis que o céu.
Agora eu posso ir. Agora me sinto realizada. Tive o maior
Amor, o teu e, de ti, o maior presente: meu filho.

4/06/2016 – 21h06